A moda muito além do corte e costura por Alexandre Herchcovitch e Lilian Pacce

Alexandre Herchcovitch e Lilian Pacce na Febravar 2016 - Feira Brasileira de Varejo - Foto divulgação
Alexandre Herchcovitch e Lilian Pacce na Febravar 2016 – Feira Brasileira de Varejo – Foto divulgação

Um dos mercados do varejo que mais passa por mudanças foi tema do último dia de Congresso Brasileiro do Varejo na edição 2016 da Febravar: a moda. O setor, que se profissionalizou pelos cursos de graduação e profissionalizantes, hoje é considerado um negócio, fazendo parte de uma cadeia que envolve gestão, marketing, comunicação. Um dos estilistas brasileiros de maior destaque no mercado internacional, Alexandre Herchcovitch, convidado especial para o evento, destacou que seu primeiro interesse por moda veio da curiosidade em saber como construir uma roupa. “Aprender moda em quatro anos é muito complicado, por isso é preciso criar expertise em alguma área dentro ramo. Você não se forma em corte e costura. Eu, particularmente, acho que para isso nem precisaria de uma faculdade. Moda é um negócio como qualquer outro. É fundamental atingir um público e fazer com que ele se identifique com aquilo que você faz”, afirmou.

Herchcovitch, que já teve criações frequentando os editoriais das mais importantes revistas do mundo, afirma que uma pessoa não tem como ser boa em todos os assuntos, principalmente na moda. “Como empresário eu tenho buscado parceiros que tenham alguma expertise específica e não várias, pois quando há conhecimento em diversas áreas, na verdade não há especialização em nenhuma delas”, apontou. Questionado sobre a cópia na área do estilismo, para ele não tem segredo: “porque você vai querer fazer alguma coisa idêntica a alguém que faz igual a você? É preciso se aprofundar naquilo que você é melhor. A concorrência é cada vez mais saudável. A lógica é simples, nosso guarda roupa tem várias ideias, várias formas, várias opções”.

Há 23 anos como diretor criativo da grife que leva o seu nome, a Herchcovitch; Alexandre, o estilista se desligou da marca em fevereiro deste ano e já assinou a coleção de estreia da À La Garçonne no último São Paulo Fashion Week. “Quando deixei minha marca quis usar da minha expertise de 25 anos para fazer alguma coisa diferente daquilo que eu já fazia. A À La Garçonne já era uma loja de móveis e objetos vintage, sendo que o conceito de sustentabilidade era uma ideia comum à toda empresa”, explicou, ressaltando que as coleções têm relação com a identidade da marca, que, inclusive, já foi um brechó. “Não existe mais volta, precisamos falar sobre o reuso dos materiais. Tive um trabalho árduo na busca de matéria-prima, pois a maioria dos tecidos são 100% reciclados. Em contrapartida, quero ter liberdade nas criações, sem radicalismos, existem também peças que tem 20% de textura reutilizada”, revelou.

A moda sustentável, reconhecida mais precisamente no século 21, passou de tendência para comportamento. Chamada também de moda responsável, ela já assumiu as passarelas e vitrines do mudo inteiro. Alexandre Herchcovitch exaltou a importância disso nesse universo de estilos. “Por que descartar algo que já foi usado? Por que não reaproveitar isso? É muito mais difícil, mas é consciente e a moda não pode ficar fora desse pensamento”, alegou, fazendo uma comparação com os outros mercados que estão refletindo sobre como poluir e produzir menos.

Tanto se fala em novo consumidor e esse pede por um equilíbrio entre a economia, natureza, profissionais e sociedade. “Os clientes já entenderam isso e deixaram para trás preconceitos sobre usar uma roupa que já foi usada por alguém ou que produzida com produtos antigos. Reciclagem não quer dizer que é barato, principalmente aqui no Brasil onde não há mecanismos para esse processo”, disse, explicando que um tecido reciclado é muito mais caro, assim como o papel reciclado, o plástico ou qualquer outro resíduo. “Nossa geração terá que pagar o preço para que isso entre no pensamento da sociedade como um todo, até se normalizar e ser mais acessível. Nas roupas, a gente está muito atrasado”, comentou.

Mais especificamente no varejo, o estilista abordou a exportação: “qualquer marca que quer se posicionar no mercado lá fora deve analisar a concorrência. Se no Brasil a competitividade já é gigante, quando falamos de mundo, isso aumenta extremamente. Não é simples exportar. O primeiro passo é ter pessoas para representar sua marca nos lugares que visa investir e esses profissionais devem levar sua cultura, identidade, valor”. Ainda, ele exalta a importância de pesquisas diárias para o sucesso nas vendas e sugere aos lojistas feedbacks com os vendedores, clientes e parceiros. “Todas as pessoas envolvidas no seu negócio são obrigadas a entender a moda e o cliente. O desafio é equilibrar as coleções entre aquilo que as pessoas querem com o que elas vão querer no futuro. Hoje não se prevê anos, as coisas mudam o tempo inteiro e são noticiadas antes mesmo de acontecer”, constatou.

Com passagens por marcas diversas, Herchcovitch confessa que nunca quis trabalhar em um lugar só. “Um pouco de instabilidade faz você crescer tanto como pessoa, como profissional. Eu ainda posso trabalhar em outras empresas, firmar outros projetos, não tenho nenhum impedimento e estou aberto a isso”, destacou.

Dividindo o palco com a amiga Lilian Pacce
Com a mediação da sócia-proprietária da Compassing, consultora do Sebrae e mediadora do painel, Tatiane Alves, após a entrevista com Alexandre, a apresentadora e editora-chefe do GNT Fashion, Lilian Pacce se juntou ao palco para um bate-papo e troca de ideias. Tatiane começou a conversa levantando a questão sobre os pequenos estilistas, de que forma ele pode romper a barreira inicial da entrada do mercado. Sobre isso, Herchcovitch aponta que nenhuma empresa nasce grande. “No primeiro momento é preciso ser empresário, estilista, administrador… Fazer um pouco de tudo. Vai errar bastante, mas será fundamental para o crescimento. Se for para fazer uma escolha, contrate costureira ou modelista e não um administrador, por exemplo, pois no início não há nem dinheiro para administrar”, sugeriu, alertando para que no começo é preciso arriscar e ser do tamanho que deve ser, o avanço acontece com o tempo. Lilian concorda dizendo que é uma conta de armazém: “É preciso colocar no papel. Por mais que gerir um negócio não seja a função dele, no momento inicial será, até para depois ele saber demandar um profissional. Acho que essa nova geração já tem isso mais evidente, pois se preocupa mais com os resultados.”

Em relação às parcerias entre estilistas fica a dúvida de como se juntar à outro profissional sem perder sua identidade. Ambos garantem que quem tem identidade sozinho, terá identidade em grupo. “Compartilhar não faz mal para ninguém, ao contrário, isso vai ajudar com que as duas cresçam simultaneamente. Quem tem DNA próprio, terá junto também, dentro de uma multimarca ou monomarca. Isso é um começo, talvez um dia poderá partir para uma loja própria”, frisou. Para o estilista, a parceria ideal é entre aquele que cria com o que administra, pois às vezes o estilista é engolido pela parte administrativa e fica sem tempo para produzir.

O varejo da moda passa por muitas deficiências, a falta de informação por parte de quem atende é apontada como principal pelos painelistas. “Os vendedores não conhecem moda, não entendem. Essa é a diferença entre as marcas nacionais e internacionais. Falta um conhecimento do produto que você está oferecendo”, alegou Lilian. Complementando, Alexandre defende que é preciso promover experiências ao consumidor. “Eu sempre fiz questão de fazer qualquer nível de reforma nas roupas, até em calça jeans, que é mais complicado.”

Indagados sobre o “see now, buy now” (“veja agora e pague agora”), ambos confirmam que o assunto está em discussão, mas acreditam que é uma coisa muito nova. “Tem empresas grandes que não vão entrar nisso nunca. Como você vai entregar algo no mesmo dia em Tóquio, São Paulo e na China? É preciso definir o significado de ‘now’. Amanhã? Dez dias? Um mês?”, questionou a apresentadora do GNT.

Por fim, eles destacaram a vocação da moda de falar sobre diversos assuntos em suas apresentações e é isso que encanta. “Arte, esporte, música, tudo são inspirações para criações. Têm o poder de transformar o que pode ser usado”, disse Lilian. Alexandre acrescenta que: “É uma área que abre a discussão sobre diferentes aspectos ligados a ela. Se você quer crescer na moda, esteja conectado, atento a tudo que acontece, olha para fora e para dentro para fazer tua história.”